‘É necessário que a gente reconte a história deste país a partir do empoderamento’
Para Amara Moira, escritora, travesti e professora de literatura, o debate do empoderamento é escorregadio se pensado em uma perspectiva individual e não coletiva
A escritora Amara Moira participou nessa quinta-feira (17) de uma discussão sobre o significado da palavra “Empoderamento”, tão latente nas reflexões das últimas décadas. Para ela, a palavra está muito relacionada com as liberdades individuais e com a possibilidade de tornar possível que minorias se sintam confortáveis ao ocupar espaços públicos – e de maneira coletiva. Palestras como essa, 100% digitais e de uma hora de duração – com intervenções de vídeos artísticos ALMA (Academia Livre de Música e Artes), formaram o evento “20 Horas de Literatura”, promovido entre 14 a 18 de setembro.
Mediada por Renato Alves, animador cultural e programador do Sesc Ribeirão Preto, a discussão foi apresentada pelas várias plataformas digitais da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto. Com a parceria do Sesc SP e da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, a Fundação é a principal organizadora desse evento promovido em comemoração aos 20 anos da Feira Internacional do Livro da cidade (FIL). Toda a agenda contou com profissionais em tradução e interpretação em libras.
Amara é autora de dois livros: “E se eu fosse puta”, de 2016, e “Vidas trans: a coragem de existir”, de 2017. Ela contou que, em 2014, completou um processo de transição e se assumiu como travesti, sendo a primeira mulher trans a obter o título de doutora com o seu nome social pela Unicamp. Ela introduziu a palestra relatando que, quando terminou a faculdade de Letras e ainda não havia feito sua transição, teve uma facilidade maior de se inserir no mercado de trabalho do que hoje, quando já é mais velha, madura e já conta com graus maiores de formação.
Partindo de sua experiência, Amara afirmou que o empoderamento tem uma relação forte com essa possibilidade de se aceitar e lutar por uma aceitação em espaços públicos (como o mercado de trabalho). Mas ela também ressaltou que, muitas vezes, o debate sobre o tema tem sido escorregadio. “O empoderamento não pode ser individual e sim de toda a sociedade. Não pode ser só eu olhando no espelho e dizendo para mim que sou bonita. Precisa ser uma luta para que todas as travestis possam entrar em espaços públicos e se sentirem confortáveis, sem necessitar agradecer por terem sido aceitas ali”, declara.
Para ela, empoderamento são todas essas estruturas sociais que criam conforto para alguns indivíduos: “é a possibilidade de se inserir no mercado de trabalho, a possibilidade de uma pessoa não ser parada por um policial no meio da rua, a possibilidade de andar no espaço público sem ser assediada”. Os livros, para ela, são um espaço forte para essa transformação. Amara defende que é preciso conhecer mais do mundo pelos olhos das minorias – ouvindo, vendo e presenciando experiências que fazem parte de sua rotina. “Eu gosto muito desse papel da literatura de fazer o leitor conhecer o mundo pelas nossas palavras, pela nossa língua, pelo nosso sentido”.
Apesar de todas as dificuldades, Amara entende que essa visibilidade tem ganhado mais importância com os anos. “O mundo tem querido conhecer mais do mundo pelos olhos dessa travesti, desse homossexual, dessa mulher. Essa dor não é mais só nossa, e até pouco tempo era”.
Durante a palestra, Amara falou ainda sobre o papel que grandes autores nacionais, como Jorge Amado ou Mário de Andrade, tiveram dentro dessa questão: tanto por ignorá-la quando por criar personagens que fugissem da chamada ‘heteronormatividade’. A escritora também contou sobre como essa representatividade teve um papel importante inclusive para ela, para que pudesse concluir sua transição. “Uma das minhas dificuldades era justamente imaginar se eu conseguiria continuar a ocupar o espaço da universidade. A representatividade é muito importante por isso: para acostumar os olhos das pessoas, para que as minorias estejam nessa posição de admiração, de alguém a ser espelhado. Mas também é preciso, nesse processo de empoderamento, que a gente pense em formas de minar essas estruturas opressoras pela base”.
A ação “20 Horas de Literatura” seguiu com agenda diária até o dia 18 de setembro (sexta-feira), com quatro encontros noturnos, das 18h às 22h. O evento foi realizado pela Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto, em parceria com o Sesc SP e a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto. Foram oferecidas palestras 100% online que reuniram 20 autores convidados para falar sobre 20 palavras que marcaram o cenário brasileiro e o mundo nas últimas duas décadas. As transmissões foram ao vivo pela plataforma de conteúdo da Fundação
(www.fundacaodolivroeleiturarp.com) e por suas redes sociais, como Facebook e YouTube. Toda a agenda contou com profissionais especializados em tradução e interpretação em Libras.
O evento foi uma ação comemorativa aos 20 anos da FIL (Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto). A programação permanece nos canais da Fundação para acesso livre e gratuito.
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