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“Ler é mais importante que escrever”, disse Jeferson Tenório durante evento literário

No primeiro dia do evento, o autor de “O Avesso da Pele” conversou com público presencial e online direto do auditório do espaço A Fábrica, abordando temas como literatura, educação e negritude


Crédito Foto: Ana Martinez

A segunda edição do Revolução Poética, realizado neste ano em parceria da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto e do Instituto SEB - A Fábrica, trouxe na noite desta sexta-feira (29), uma saborosa conversa literária com o escritor Jeferson Tenório sobre seu premiado romance “O Avesso da Pele” (Companhia das Letras, 2020). O evento, realizado presencialmente no auditório do espaço A Fábrica, no Centro da cidade, e com transmissão online em tempo real, contou com a participação do professor e pedagogo Marcelo Müller na condução do bate-papo.


O escritor carioca radicado em Porto Alegre falou da alegria em estar no Revolução Poética na Fábrica Literária, festejando a literatura e, ressaltou a importância da sala de aula em sua construção como autor. “Me tornei escritor porque fui professor. As histórias vividas com meus alunos não só me tornaram uma pessoa melhor, como me trouxeram uma visão de mundo sem a qual eu não conseguiria escrever”, afirmou Tenório.


Referência nacional e internacional por conta de “O Avesso da Pele”, o escritor contou que sua relação com a literatura não guarda tradições e o despertar para esse mundo veio da música. “Eu não era um leitor e meu letramento poético veio do rap. Minha escrita criativa começou com imitações de textos de autores que eu ia descobrindo e gostando”, contou Tenório, lembrando o Magma Rap, grupo que fez parte em Porto Alegre.


Para ele - hoje doutorando em Teoria Literária pela PUCRS - a função essencial da literatura é formar leitores e sua escolha por privilegiar a linguagem acessível é focada nisso. “A escrita impacta o mundo, mas ler é mais importante que escrever”, afirmou o autor.


A questão do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira em diferentes instâncias é o eixo em torno do qual se desenrola o enredo de “O Avesso da Pele” e, sobre o assunto, o escritor abordou alguns pontos centrais: educação, violência policial, religiosidade afro e humanidade negra.


Racismo e descolonização

Recentemente vítima de ameaças de morte em Salvador/BA, após anúncio de sua palestra numa escola, exatamente sobre o livro “O Avesso da Pele”, Jeferson Tenório reforçou a importância da literatura - e de todas as artes - no processo de transformação de mentalidades, embora não acredite na mesma como instrumento prático de mudanças rápidas nesse cenário. “A literatura age num outro tempo, que é subjetivo. A mudança é interna e demora. Por outro lado, a literatura é poderosa, como todas as artes, e incomoda as pessoas. Meu livro não é um manual antirracista, mas as pessoas podem ler e se dar conta de algumas coisas”, pontuou.


Tenório também comentou a diferença de tratamento dispensada aos negros pela polícia, ponto central na história apresentada pelo romance em debate. “Infelizmente, a violência policial faz parte do cotidiano da população negra e vivemos num país onde se autorizou o discurso de ódio e a intimidação. Estamos num processo de descolonização das mentalidades e isso sempre é violento”, enfatizou o escritor.


Religiosidade e afetos

A referência às religiões de matriz africana na construção do personagem Pedro - protagonista do livro -, ao mesmo tempo em que tem caráter literário, também não deixa de ser um registro importante, já que o espaço que essa temática tem ganhado na mídia, em sua maioria, trata de situações de violência contra essas religiões. “É importante ressaltar que o que está no livro é literatura. É um arquétipo. E não religião. No entanto, há a realidade que nos cerca como, por exemplo, a do Rio Grande do Sul, um lugar contraditório nessa questão porque tem grande presença de espaços religiosos de matriz africana, mas é também um Estado que promove um apagamento da identidade negra, com muita ênfase ao orgulho da herança europeia”, explica Jeferson Tenório.


Outro ponto abordado pelo autor foi a relação de afetividade que se desenvolve no romance, entre pai e filho negros. “Quanto tratamos das questões raciais, o mais importante não é a pele visível, mas o avesso dela, que é nossa humanidade, nossos afetos, nossos conflitos. Um lugar único, isolado, que ninguém tem acesso. É isso o que importa ser preservado na sobrevivência quando o mundo quer te reduzir à cor da sua pele”, concluiu Tenório.


Tela grande

A contundente denúncia à violência policial e à desigualdade racial que habita as estruturas sociais do Brasil deu ao livro “O Avesso da Pele” não somente o Prêmio Jabuti 2021 na categoria romance literário, como está em andamento o projeto de adaptação da história para o cinema. “Será uma outra obra, uma outra apropriação. Mas creio que o público vai gostar e se emocionar muito também”, adianta Jeferson Tenório, que tem a próxima obra formatada. Sem revelar detalhes, ele apenas deixou escapar que o ambiente do enredo será uma universidade e que o foco será na história intelectual dos negros. “O beijo na parede” e “Estela sem Deus” são outros títulos do escritor.


A agenda do Revolução Poética na Fábrica Literária trouxe oficinas, conversas literárias, debates e atividades artísticas. O evento celebrou o Dia da Literatura Brasileira, comemorado em 1º de maio, com a proposta de revolucionar a poesia na contemporaneidade, reunindo artistas da atualidade a partir de seis poetas significativos da história da literatura brasileira: Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Cora Coralina, Ferreira Gullar, Manoel de Barros e Paulo Leminski.

A abertura completa do evento pode ser conferida no site no canal da Fundação no YouTube.





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